[Projeto para estágio de pós-doutoramento em andamento]
O LABIRINTO E O LAGO NAS ALTURAS
(LEITURAS DE POESIA – FERNANDO PESSOA E
AUGUSTO MEYER)
1.1 ANTECEDENTES
Desde meu curso de Mestrado em Literatura
Brasileira[1],
passando pelo doutoramento na mesma área[2],
ambos cursos realizados na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, tenho
desenvolvido trabalho de investigação sobre as manifestações literárias
inseridas na etiqueta “literatura íntima”. Após esse período de formação
acadêmica, continuei minhas pesquisas relativas ao gênero autobiográfico
através de orientações na graduação, com alunos bolsistas pibic-cnpq, bem como
no curso de mestrado História da Literatura, FURG, com meus orientandos. Os
resultados têm sido utilizados nas aulas ministradas especialmente na
pós-graduação; as publicações que tenho feito igualmente têm seguido esse
caminho[3].
No entanto, longe de encerrar a problematização
do gênero autobiográfico, busquei apoio nas idéias de Antonio Candido para
pensar sobre o impulso autobiográfico especialmente nos poetas de formação
modernista. Analisando a produção de Graciliano Ramos, o crítico se refere a
determinadas propostas literárias de alguns escritores. Ele observa que alguns
se realizam no terreno da confissão; outros, no entanto, buscam a criação
ficcional para se expressar. E há, ainda, os que produzem sob a premência da
ficção e da confissão, de forma autônoma, mas complementar. Diz Antonio
Candido:
O
caso mais freqüente, porém, é o do romancista ou poeta que a certa altura sente
necessidade de revelar-se diretamente, escrevendo confissões que completam e
esclarecem a obra de criação – como estamos vendo em nossa literatura com
Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Augusto Frederico Schmidt, Augusto Meyer,
Álvaro Moreyra, Gilberto Amado.[4]
Propus-me, então, um alargamento paulatino de
corpus. Na esteira de nomes paradigmáticos do Modernismo Brasileiro, escolhi a
produção de Manuel Bandeira, cuja obra poética encerra questões pertinentes ao
meu tema de pesquisa. Sua importância é valor consensual e, justamente,
assegurada por este juízo, pude observar que Bandeira publicou sua
autobiografia Itinerário de Pasárgada
quando contava 68 anos (mesma idade em que Drummond publica o primeiro volume
de Boitempo). Contudo, esta produção
de Bandeira se realiza inversamente à de Drummond: isto é, concretiza-se no
reino da prosa narrativa. E, da mesma forma como sucede ao mineiro, Bandeira
apresenta em sua Estrela da vida inteira
várias peças poéticas que tematizam o autobiográfico.
Na
continuidade da pesquisa, observei que um dos mitos formadores da modernidade
(e da alta modernidade) é, não por coincidência, um dos aspectos mais intrínsecos
ao ato autobiográfico: o mito de Narciso. Esse mito parece ser o grande
elemento impulsionador da autobiografia em Carlos Drummond de Andrade. Como
sintoma mais visível e presente, basta apontar o grande número de poemas nos
quais o poeta declara-se torto, estranho, solitário, fendido em dois, o gauche que já se declarava em 1930 no
não menos famoso Poema de sete faces,
além de “Aquele córrego”, de Boitempo III, analisado em minha tese
sobre o poeta.
Já em Manuel Bandeira, a presença do mito de
Narciso na constituição do sujeito também se dá pela urgência problematizadora
de sua imagem, mas o que parece determinante para sua escrita autobiográfica é outro
mito, igualmente importante para a modernidade: o mito de Teseu[5]. O
grande herói fundador que enfrenta o monstro Minotauro dentro de uma imensa
caverna a qual só tem acesso pelos caminhos tortuosos de um menos insano
labirinto. É o sujeito que sozinho não vence, pois necessita de algo que o
localize no espaço e no tempo: o fio de Ariadne que fornece a memória de que
não dispõe. Trata-se de um herói meio tosco e que esquece tudo. É o
desmemoriado e por isso mesmo precisa lembrar.
Dando
continuidade, elegi o poeta Murilo Mendes em virtude de sua relação com o
Modernismo e, é claro, de sua postura autobiográfica em relação a sua
“identidade” poética. A partir de uma vivência órfica da poesia, sua
autobiografia, A idade do serrote, se
faz sob a chancela do mito de Orfeu, que se estende, ou melhor, que ressoa em
toda sua produção poética. Face essa problemática, o projeto O Orfeu desconcertado: a escrita
autobiográfica em Murilo Mendes buscou investigar alguns procedimentos
autobiográficos em sua obra, aqui tomada no âmbito da poesia propriamente dita,
e no volume assumidamente autobiográfico A
idade do serrote. Novamente se percebe a preocupação dos poetas em
restringirem suas autobiografias a um período de “inauguração”, de fundação ou
nascimento do ser das letras. A linguagem assume, dessa forma, um caráter vital
de única possibilidade de existência. Estes elementos estão presentes no artigo
O tempo da infância em Murilo Mendes,
apresentado no “I Simpósio Internacional – escrever a vida. Novas abordagens de
uma teoria autobiográfica”, na USP, em 2005.
Na
firme proposta de abranger um número maior de poetas modernistas como corpus,
encontrei em Augusto Meyer um nicho exemplar. Por se tratar de um gaúcho, já
que uma das linhas de pesquisa da pós-graduação da FURG é, justamente, História
da Literatura do Rio Grande do Sul, entendi que Meyer também se coloca como
transgressor a uma série de artifícios literários padronizados, aos quais os
poetas acima mencionados igualmente subvertem. Assim, o projeto Caminhos e trilhas do gênero autobiográfico propõe-se
a rever algumas marcas autobiográficas em sua poesia, bem como a buscar o
imaginário sobre a infância em sua autobiografia Segredos da infância – No tempo da flor.
Foi
a partir deste trabalho com Augusto Meyer que me detive mais cautelosamente nas
reatualizações do mito de narciso nele presente. Com apoio teórico na Filosofia
do Imaginário, através dos estudos de Gilbert Durand e de Gaston Bachelard, já
referências em minhas pesquisas acima mencionadas, passei a eleger o tema
relativo a narciso com enfoque mais explícito ao tratar da poesia brasileira.
Foram resultados desta nova linha de pesquisa, alguns ensaios sobre Orides
Fontela, Hilda Hilst, Mário Quintana, Cecília Meireles, Augusto Meyer,
apresentados em congressos e/ou como conteúdo programático das aulas na
pós-graduação. Com estes trabalhos passei a percorrer um outro sentido para
aquilo que originou minha vida acadêmica. Das autobiografias apreendi o sentido
do mito de Narciso no cruzamento com o mito do labirinto (mito de Teseu) e também
com o mito de Orfeu, já que a palavra poética é uma das fontes mais profundas
no desenho da identidade dos poetas.
1.2 ESTUDOS DA
QUESTÃO
As mais diversas manifestações literárias
sempre se entregaram como palco exemplar para que reescrituras de mitos pudessem
alcançar um patamar não apenas religioso, social, mas também estético. O teatro
grego, notadamente Ésquilo, Sófocles e Eurípedes, atesta esta espécie de
sintonia fina entre o mito e a sua elaboração literária, como forma de
reescrever e de permanecer no imaginário de um povo, de uma época. A poesia
lírica, por seu turno, igualmente partilha desse arcabouço sobre os
comportamentos humanos ritualizados em mitos. O gênero lírico, aliás, tem no
mito de Orfeu uma de suas mais recorrentes genealogia. Ainda que o lírico se
particularize pela presença de um “eu” subjetivo, por vezes de intensas
colorações confessionais, ou por outra assumindo uma explícita ficcionalização,
o mito lhe fornece motivos, temas e comportamentos para que o eu-lírico
expresse um modo de ver a existência, ou de senti-la. É curioso reparar como
isso se dá.De um modo geral, o mito é uma narrativa, porque do ponto de vista
das teorias sobre o mito, notadamente àquelas elaboradas pela antropologia, o
mito é relacionado a um conhecimento sobre o cosmos que deve ser partilhado e
vivenciado por todos da comunidade (daí a presença de ritos que têm a função de
reatualizarem o acontecimento primordial para que todos dele participem, como
se fosse uma ‘catarse’); e o lírico é o exercício literário expresso em uma
individualidade que se marca, no mais das vezes sem pudores. Este paradoxo
propicia uma reelaboração muito particular de determinados mitos. Mais
interessante ainda são as possibilidades de realizações poético-literárias.
A questão é extremamente fecunda, apresenta
variadas faces, aportes teóricos divergentes que priorizam, cada qual, uma
perspectiva que tanto aceita o mito como revelação de verdades quanto inserção
do homem no cosmos, ou ainda motivo literário. Ruthven afirma que “os mitos têm
origem obscura, forma protéica e significado ambíguo” (1997:13). E mais: que
eles são imunes às explicações racionais, embora estimulem as pesquisas
racionais; apresentam interpretações contraditórias; e nenhuma explicação ou
definição foi suficiente, até hoje, para desvelar definitivamente o que é o
mito (1997:13). No entanto, afirma que “o mito nada mais é do que ciência
primitiva ou história, ou personificação de fantasias do inconsciente, ou ainda
algum outro ‘solvente’ atualmente na graça dos sistematizadores” (1997: 14).
Aplicado à Literatura, o mito igualmente é
vestido com variadas performances. E muitos são os teóricos, das mais diversas
formações. Robert Graves, Northrop Frye, Meletinski, Barthes e Gilbert Durand
são alguns dos nomes significativos. Ruthven (1997) lembra, no entanto, que há
uma espécie de opinião persistente nos estudos literários, a qual relaciona o
mito à literatura de forma estreita, embora obscura, e que o destino de um está
atrelado ao do outro. Cita, para tanto, Schlegel: “A mitologia e a poesia forma
uma unidade, e são inseparáveis” (SCHLEGEL, apud RUTHVEN; 1997:72). Ocorre que
os europeus, de maneira geral,
(...)
concebem a mitologia como um fenômeno exclusivamente Greco-romano, e deixam de
perceber que a mitologia Greco-romana é preservada numa forma literária
altamente sofisticada. Os folcloristas salientam que, na realidade, o que
chamamos em Eurípedes ou em Ovídio não é mitologia, mas literatura feita a
partir de mitos, literatura feita por artesãos que falsificam artisticamente os
mitos a fim de criar alguma coisa (...)
(RUTHVEN, 1997:72)
Por outro lado, o mitólogo salienta que a
mitologia é uma espécie de patrimônio produtor de temas para os escritores. E
faz a interessante ressalva: “os escritores, de algum modo, estão possuídos
pelos mitos que relatam (ou inventam), em virtude de alguma aptidão única para
pensar ‘miticamente’ numa era que tem aspirado, desde os dias de Sócrates, a
pensar racionalmente” (RUTHVEN, 1997:93).
Corroborando esta opinião, mas seguindo uma
outra linha de pesquisa e de raciocínio, o antropólogo francês Gilbert Durand,
inspirado por uma outra lógica preconizada por Bacherlard, observou que no
decurso do tempo, os mitos se rearticulam, engordam e emagrecem, de acordo com
as premências do momento em que são re-atualizados. Durand chamou esse processo
de “bacia semântica”. Não quero, aqui,
analisar todas as seis etapas cronológicas irregulares, sobre as quais se
baseia a teoria formulada pelo antropólogo. Mas elas são: escoamento, separação
das águas, confluências, nome do rio, ordenamento das margens e meandros e
deltas[i].
Interessante reparar que essa metáfora potamológica dá conta dos processos de
re-atualizações dos mitos. Durand diz que:
Não há mito inicial, puro (...).
Qualquer mito não é senão o conjunto de suas lições, poder-se-ia mesmo dizer de
suas leituras(...) O mito decompõem-se em alguns mitemas indispensáveis que lhe
conferem sincronicamente o sentido arquetípico, mas, diacronicamente, ele é
apenas constituído pelas lições circunstanciadas por esse acolhimento, essa
leitura muito particularizada (...) Há que sublinhar este paradoxo, em que a
permanência só é conferida pelas variações.
(DURAND, 1996, p.155).
Seguindo a idéia da bacia potamológica de
Durand, penso no mito de Narciso com as suas inúmeras possibilidades de
releituras, com acréscimos e subtrações de mitemas que o formam neste imenso
arco temporal ocidental. Nesta mesma medida, vejo o mito do Labirinto. Ambos se
cruzam, se tocam, se impregnam de motivos um do outro. A presença e as inúmeras
articulações destes dois mitos de maneira inequívoca na Literatura do século XX
parecem indagar mais enfaticamente sobre os mistérios identitários que soçobram
nos poetas.
Sobre o labirinto, a opinião de Balandier
parece bastante sedutora:
Hoje,
o mito do Labirinto, de Dédalo e do Minotauro é o que parece ilustrar melhor as
interrogações. (...) O mito ainda fala. (...) Joga luz sobre um mundo onde a
desordem parece dissolver a ordem, onde a complexidade crescente desencoraja qualquer
emprego de uma lógica coerente, onde os sinais estão confusos e o homem busca
os signos que possam demarcar seu trajeto. (BALANDIER;
1999: 10)
Balandier está pensando a reatualização do
mito do Labirinto do ponto de vista da sociologia, e mais, na sobremodernidade,
notadamente nos anos finais do século XX. Não obstante, trabalhando com uma
forma de imaginário, ele oferece uma perspectiva fecunda para se pensar a
Literatura, isto é, o fazer literário. Neste sentido, Dédalo, o gênio criativo,
convive com o monstro enclausurado que só será libertado pelo herói
desmemoriado – Teseu. Interessante notar
é que os ambientes espaciais relacionados ao mito do Labirinto, quaisquer que
sejam os mitemas em relevância, são espaços terrentos, e sobre estes aspectos a
imaginação material estudada por Gaston Bachelard é de extrema valia.
Igual força simbólica se encontra no mito de
Narciso, que passou a ser consumido de forma mais assídua a partir da
modernidade, embora tenha aparecido na Literatura já no início da era cristã.
Ovídio, poeta latino de 43 a.C à 16 d.C, fixou a primeira versão literária em Metamorfoses, e é sobre ela que as
reatualizações do mito começaram a ser
feitas. O rapaz enamorado de si mesmo, tal como é visto na Antiguidade, cede
lugar às angustiantes perguntas de construções identitárias do homem moderno.
Sobre as relações especulares, é novamente Bachelard quem irá direcionar o
caminho para que se observe que o reflexo de Narciso é acompanhado do reflexo
do mundo. Bachelard chama de “narcisismo cósmico”, e salienta: “Um poeta que
começa pelo ‘espelho’ deve chegar à ‘água da fonte’ se quiser transmitir sua
‘experiência poética completa’” (BACHELARD; 2002:24). Dos quatro elementos
cosmogônicos que Bachelard elenca em seus estudos sobre o imaginário na e da
poesia, a água é o mais assiduamente presente nas reatualizações do mito de Narciso.
É na lâmina d’água – que aceita a
profundeza – que o eu-lírico irá se comprazer em observar seus contornos, seus
indícios, seus olhos dentro dos quais tudo acontece.
Os dois mitos encaminham algumas questões a
que me proponho. A poesia do Brasil modernista traz em si mesma as marcas
fortes de ambos os mitos? De que maneira eles – os mitos – são representativos
de um ‘modus vivendi’? De que se constituem as paredes flexíveis do labirinto
moderno? Quem habita a cripta, Astérion ou Narciso? Ambos? O Minotauro está no centro do mundo? De que
mundo? Onde Narciso e Teseu se encontram? Os olhos do monstro refletem que
imagem? Como os mitemas destes dois mitos, aparentemente muito diversos entre
si, se conjugam na poesia?
Naturalmente, no decorrer da pesquisa, outras
questões irão surgir. Contudo, parto do pressuposto de que a busca identitária
é o ponto nodal que movimenta esta poesia produzida sob as forças renovadoras
do Modernismo dos primeiros decênios do século XX. A escolha dos poetas que
compõem o corpus deste projeto de pesquisa não é aleatória, embora tenha esta
aparência. Além da localização temporal nos anos 20 e 30, pesa o meu gosto
pessoal por Augusto Meyer e Fernando Pessoa (hortônimo). Na “Introdução” de A poética do espaço (1993), Bachelard
diz que é necessário um envolvimento emocional com o texto para que o crítico
também possa usufruir do devaneio que alicerçou a construção do poema:
(...)
a simpatia de leitura é inseparável da admiração. Pode-se admirar menos ou
mais, mas sempre um impulso sincero, um pequeno impulso de admiração é
necessário para se obter o benefício fenomenológico de uma imagem poética.
(...) Nessa admiração que ultrapassa a passividade das atitudes contemplativas,
parece que a alegria de ler é reflexo da alegria de escrever, como se o leitor
fosse o fantasma do escritor.(BACHELARD,
1993:10).
Pois é justamente sob esta perspectiva que
me coloco como “leitora de poesia”. Somam-se a isso, alguns aspectos que me
parecem significativos – ainda que paradoxais – para uma aproximação entre os
dois poetas. São distantes geograficamente, um deles de reconhecido valor
mundial, o outro ainda desconhecido como poeta em seu país natal, nacionalidades
diferentes mas aspectos culturais muito próximos, ambos se deixam impregnar por
uma força nostálgica que parece impulsionar a escrita, enfim, vários aspectos
que os individualizam e, por isso mesmo, os tornam, cada qual à sua maneira,
representantes de um momento na composição do homem moderno-modernista.
Augusto Meyer, como é sabido, tem sido
considerado pela historiografia literária no Rio Grande do Sul como o poeta
representativo do Modernismo aqui no sul. Mas pouco se estuda sua poesia. Fernando
Pessoa é vinculado ao Modernismo Português como um de seus mentores; e sua
poesia multifacetada tem sido motivo de inúmeros estudos e indagações
teórico-críticas.
1.3 JUSTIFICATIVA
O presente projeto se justifica em função de
alguns argumentos, a saber:
a) Carência de estudos mais afeitos à mitanálise
relativas à poesia, assim como à imaginação material;
b) Experimentação crítica partindo da Filosofia
do Imaginário com grande acento nas propostas de leitura de Bachelard;
c) Necessidade de redimensionar a visão analítica
sobre a poesia brasileira, especialmente a do Rio Grande do Sul, com o poeta
Augusto Meyer;
d) Propor
uma aproximação entre poetas tão distintos – Fernando Pessoa e Augusto Meyer –
e assim mesmo tão representativos de um mesmo processo de representação
identitária no momento de uma aguda crise da Modernidade, em que pese uma
singular confluência de dois mitos;
e) Abrir perspectivas diferenciadas para a
leitura de Fernando Pessoa e de Augusto Meyer
1.4 OBJETIVOS
O presente projeto objetiva:
a) dar prosseguimento ao trabalho de pesquisa que
venho realizando desde meu curso de mestrado, passando pelo doutoramento e
minhas atividades acadêmicas e docentes, fomentando, assim, a criação de novas
disciplinas no âmbito da pós-graduação;
b) sistematização e posterior elaboração de um
livro ensaístico sobre o tema, envolvendo os poetas que formam o corpus dessa
pesquisa;
c) Proceder à análise de poemas de Augusto Meyer
e de Fernando Pessoa (hortônimo) em que pese a mitanálise aliada à imaginação
material;
d) Repensar a sistematização “tradicional” nos
estudos de poesia;
1.5 EXPECTATIVAS
DE PRODUÇÃO
Os resultados deste projeto de pesquisa
deverão:
a) ser apresentados
sob forma de mini-cursos, comunicações e/ou palestras em seminários, congressos
e outras atividades afins;
b) servir de material para aulas curriculares na
graduação e, em especial, na pós-graduação em Letras – mestrado em História da
Literatura/FURG, bem como deverão servir de incentivo para novas pesquisas a
serem desenvolvidas por futuros pós-graduandos;
c) resultar na elaboração de textos ensaísticos,
os quais integrarão um volume único para publicação, com os seguintes assuntos:
- O LABIRINTO DE UMA IDENTIDADE (sobre o Cancioneiro, de Fernando Pessoa)
- QUANDO O AR E A ÁGUA SE ENCONTRAM EM NARCISO
(sobre Poesias, de Augusto Meyer)
- ensaio teórico-explicativo (base teórica:
DURAND e BACHELARD; mito de narciso; mito do labirinto; mitos e mitemas que se
entrecruzam; leituras sobre a literatura a partir do Imaginário; idéia do
binômio ‘ressonância/repercussão’; o texto como representação de uma dada
‘realidade’ e como pedagogia para esta mesma ‘realidade’; o prazer de ler)
O excelente ensaio de Alfredo Bosi, como parte
introdutória de seu livro Leitura de
poesia (1996), afirma num dado momento:
Entre os extremos do narcisismo sem raízes e
da cultura sem sujeito, é grato saber que ainda atrai mais de um leitor crítico
um modo de perceber as imagens do poema capaz de abraçar generosamente corpo e
historicidade, matéria e significação. Falo da experiência poético-filosófico
de Gaston Bachelard que vem resistindo à atual erosão das propostas modernas e
se dá como alternativa a todo pensar destrutivo (p. 42).
A metodologia proposta para a execução deste
projeto é baseada em recortes bibliográficos em que pese a Filosofia do
Imaginário, notadamente apoiada nos ensaios de Gaston Bachelard e de Gilbert
Durand. Deste, refiro-me em especial aos seus estudos relativos aos movimentos
dos mitos em suas constantes reatualizações. Em Campos do Imaginário (1996), o antropólogo constrói um percurso
exegético para apreender as variações por acréscimos e decréscimos de mitemas
nos mitos. A metáfora da bacia potamológica é bastante eficiente para alcançar
e justificar um dos aspectos a que me proponho estudar, qual seja, a
“contaminação” de mitemas de um mito no outro.
De Bachelard, serão de imensa valia seus
livros sobre a imaginação material, sobre os conceitos de devaneio poético,
sobre os quatro elementos cosmogônicos através dos quais a matéria se expressa,
sobre a imagem poética diretamente vinculada à imaginação, enfim, sobre aquele
Bachelard que se convencionou chamar de “noturno”. Fazem parte: Psicanálise do fogo (1994), O ar e os sonhos (1990), A água e os sonhos (2002), A terra e os devaneios do repouso (2003),
A terra e os devaneios da vontade
(2001), A poética do espaço (1993), A poética do devaneio (1988), Fragmentos de uma poética do fogo
(1990).
Sobre os mitos, além de dicionários
especializados, contarei com a substanciosa leitura de Metamorfoses, do poeta latino Ovídio. Além, é claro, de
bibliografia específica sobre mitos, mito do Labirinto e mito de Narciso. Cito,
especialmente, Gilbert Durand, Robert Graves, Georges Balandier, René Girard,
Ruthven, Joseph Campbell, entre outros.
Nos aspectos intrínsecos da teoria de poesia,
além dos estudos clássicos sobre o gênero, lembro o “roteiro” de Antonio
Candido: Estudo analítico do poema
(s/d), que oferece ao leitor um caminho seguro para uma exegese mais “formal”.
Contudo, não poderia deixar de mencionar também as idéias de Michael Hamburger,
em La verdad de La poesia (1991).
A respeito dos textos ficcionais propriamente
ditos, constarão desta pesquisa as produções poéticas de Fernando Pessoa, em Cancioneiro, e de Augusto Meyer, em Poesias – 1922/1955.
3
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[1] Na época defendi a dissertação intitulada Artur Arão: no intermédio da ficcionalidade
e da autobiografia, na qual, entre outros aspectos, fiz o levantamento de
uma série de requisitos ideológicos e formais para a efetivação de uma produção
dita autobiográfica.
[2] Em função das muitas questões teóricas que ficaram
pendentes, propus-me a alargar a abrangência de minhas pesquisas relativas ao
tema. Desse modo, minha tese de doutoramento, Boitempo: a poesia autobiográfica de Drummond, igualmente na área
de Literatura Brasileira, pela mesma Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
continua na mesma linha de pesquisa.
[3] Estas
publicações estão arroladas no meu currículo Lattes.
[4]
CANDIDO, Antonio. Ficção e confissão
– ensaios sobre Graciliano Ramos. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992. p.69.
[5] Manuel Bandeira, como o amigo Carlos Drummond de
Andrade, também foge do padrão autobiográfico. As coisas do homem não serão
colocadas no Itinerário de Pasárgada,
mas em uma série de poemas espalhados por toda sua obra poemática. A poesia
leva-o à construção de um labirinto de palavras, de poemas, de temas e
assuntos, todos carregados da individualidade autobiográfica. Esse é um dos
pontos analisados no meu artigo Autobiografia
em Manuel Bandeira: o outro itinerário de Pasárgada, resultante de um
projeto PIBIC – CNPq.
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