terça-feira, 10 de abril de 2012

poemas diversos para as aulas - mestrado 2012

[os poemas abaixo são alguns usados nas aulas de "tópicos avançados de literatura brasileira", cujo tema este ano é a metapoesia na poesia brasileira - manuel bandeira, drummond, cecília meireles e adélia prado]


[de Safo]



Mais verde que uma erva


Igual aos deuses esse homem

       me parece: diante de ti

sentado, e tão próximo, ouve

       a doçura da tua voz,


e o teu riso claro e solto. Pobre

       de mim: o coração me bate

de assustado. Num ápice te vejo

        e a voz se me vai;


a língua paralisa; um arrepio

      de fogo, fugaz e fino,

corre-me a carne; enevoados

      os olhos; tontos os ouvidos.


O suor me toma, um tremor

       me prende. Mais verde sou

do que uma erva – e de mim

       não me parece a morte longe (...)



            O ramo
A quem, marido amado, te comparo?

   A dócil ramo, amado, te comparo.

                                  Maçã menina                     

                             No alto do ramo

                         alta no ramo mais alto,

                            uma tão rosa maçã:

                    esqueceram-na os apanhadores

                        de fruta. Esqueceram-na?

                         Não! Mãos não tiveram

                                 para a colher.

  
                        Olvido

         Morte, inércia de sono

                para ti, silêncio

          de qualquer memória

      para sempre; não mais, não,

       alcançarás as rosas de Piéria.

           escura e desatinada,

           vaguearás pelo Hades

       não mais vista de ninguém,

          sempre às cegas, sempre

                por entre sombras

                de corpos, obscuras

                     aparências só.


[Catulo]

Tordo, prazer de minha namorada,

Brinquedo vivo que ela leva ao seio

E que incita a bicadas doídas,

Com a ponta do dedo, quando quer

- ó, meu bem, minha luz, meu bem-querer -

distrair-se com algo divertido,

para acalmar a dor, quem sabe? De uma

paixão voraz – pudesse eu brincar

com você, como o faz a sua dona,

pra amortecer as dores do meu peito!

(...)

eu lhe peço, doce Ipsitila,

delícia e graça da minha vida,

que você marque um encontro à tarde,

em sua casa. Se sim, não tranque

a porta, por favor, e não pense

em sair, em hipótese alguma:

permaneça em casa e se prepare

para nove trepadas seguidas.

Mas, se achar melhor, vou neste instante:

Almoçado e deitado, já estou
Perfurando a túnica e o manto!
(...)


[ Luis Vaz Camões]

Um mover d’olhos, brando e piadoso,
Sem ver de quê; um riso brando e honesto,
Quase forçado; um doce e humilde gesto,
De qualquer alegria duvidoso;

Um desejo quieto e vergonhoso;
Um repouso gravíssimo e modesto;
Uma pura bondade, manifesto
Indício da alma, limpo e gracioso;

Um encolhido ousar; uma brandura;
Um medo sem ter culpa, um ar sereno;
Um longo e obediente sofrimento;

Esta foi a celeste fermosura
Da minha Circe, e o mágico veneno
Que pôde transformar meu pensamento.
                             

[Fernando Pessoa]
            Isto

Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.

Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!


[Wally Salomão]

            fábrica do poema

sonho o poema de arquitetura ideal
cuja própria  nata de cimento encaixa
palavra por palavra,
tornei-me perito em extrair faíscas das
britas
e leite das pedras.
acordo.
e o poema todo se esfarrapa, fiapo por
fiapo.
acordo.

o prédio, pedra e cal, esvoaça
como um leve papel solto à mercê do
vento
e evola-se, cinza de um corpo esvaído
de qualquer sentido.
acordo,
e o poema-miragem se desfaz
desconstruído como se nunca houvera
sido.
acordo!
os olhos chumbados
pelo mingau das almas e os ouvidos
moucos,
assim é que saio dos sucessivos sonos:
vão-se os anéis de fumo de ópio
e ficam-se os dedos estarrecidos.


sinédoques, catacreses,
metonímias, aliterações, metáforas,
oxímoros sumidos no sorvedouro.
não deve adiantar grande coisa
permanecer à espreita no topo fantasma da torre de vigia.
nem a simulação de se afundar no sono.

nem dormir deveras.
pois a questão-chave é:
             sob que máscara retornará o
recalcado?

(mas eu figuro meu vulto
caminhando até a escrivaninha
e abrindo o caderno de rascunho
onde já se encontra escrito
que a palavra “recalcado” é uma
expressão
por demais definida, de sintomatologia
cerrada:
assim numa operação de supressão
mágica         vou rasurá-la daqui do poema.)

pois a questão-chave é:
                  sob que máscara retornará?


[Olavo Bilac]


            Inania verba

Ah! Quem há de exprimir, alma impotente e escrava,
O que a boca não diz, o que a mão não escreve?
- Ardes, sangras, pregada à tua cruz, e, em breve,
Olhas, desfeito em lodo, o que te deslumbrava...

O Pensamento ferve, e é um turbilhão de lava:
A Forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve...
E a Palavra pesada abafa a Idéia leve,
Que, perfume e clarão, refulgia e voava.

Quem o molde achará para a expressão de tudo?
Ai! Quem há-de dizer as ânsias infinitas
Do sonho? E o céu que foge à mão que se levanta?

E a ira muda? E o asco mudo? E o desespero mudo?
E as palavras de fé que nunca foram ditas?
E as confissões de amor que morrem na garganta?!

[augusto dos anjos]

            O martírio do artista

Arte ingrata! E conquanto, em desalento,
A órbita elipsoidal dos olhos lhe arda,
Busca exteriorizar o pensamento
Que em suas fronetais células guarda!

Tarda-lhe a Idéia! A inspiração lhe tarda!
E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,
Como o soldado que rasgou a farda
No desespero do último momento!

Tenta chorar e os olhos sente enxutos!...
É como o paralítico que, à míngua
Da própria voz e na que ardente lavra

Febre de em vão falar, com os dedos brutos
Para falar, puxa e repuxa a língua,
E não lhe vem à boca uma palavra!


 

[Mário Quintana]



O poema


Uma formiguinha atravessa, em diagonal, a página
Ainda em branco. Mas ele, aquela noite, não escreveu
nada. Para quê? Se por ali já havia passado o frêmito

e o mistério da vida ...


                      o poema
Um poema como um gole dágua bebido no escuro.
Como um pobre animal palpitando ferido.
Como pequenina moeda de prata perdida para sempre na floresta noturna.
Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa condição de poema.
Triste.
Solitário.
Único.
Ferido de mortal beleza.


Ah, sim, a velha poesia ...

Poesia, a minha velha amiga ...
eu entrego-lhe tudo
a que os outros não dão importância nenhuma ...
a saber:
o silêncio dos velhos corredores
uma esquina
uma lua
(porque há muitas, muitas luas ...)
o primeiro olhar daquela primeira namorada
que ainda ilumina, ó alma,
como uma tênue luz de lamparina,
a tua câmara de horrores.
E os grilos?
Sim, os grilos ...
Os grilos são os poetas mortos.

Entrego-lhe grilos aos milhões um lápis verde um retrato
amarelecido um velho ovo de costura os teus pecados as
reivindicações as explicações – menos
o dar de ombros e os risos contidos
mas
todas as lágrimas que o orgulho estancou na fonte
as explosões de cólera
o ranger de dentes
as alegrias agudas até o grito
a dança dos ossos ...


Pois bem,
às vezes
de tudo quanto lhe entrego, a Poesia faz uma coisa que
parece que nada tem a ver com os ingredientes mas que
tem por isso mesmo um sabor total: eternamente esse
gosto de nunca e de sempre.


Se eu fosse um padre


Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões,
não falaria em Deus nem no Pecado
- muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,

não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições ...
S eu fosse um padre eu citaria os poetas,

     Rezaria seus versos, os mais belos,
Desses que desde a infância me embalaram
E quem me dera que alguns fossem meus!
     
     Porque a poesia purifica a alma
... e um belo poema – ainda que de Deus se aparte –
sempre coloca o Poeta face a face com Deus!

Segundo poema didático



Nós ainda estamos resolvendo os assuntos de Roma,
nós somos Roma
e o velho Egito e Nínive e Babilônia ...
E,
Apesar das brincadeiras laboratoriais,
Ainda somos gerados da mesma maneira.
Nada nasce do ar.
Os próprios deuses,
tão diversos,
são,
conforme a vez, o tempo, a ocasião,
as fantasias sucessivamente usadas e despidas
pelo Deus único e verdadeiro.
Uma divina mascarada? Não!
Ele não tem a mínima culpa dos costureiros.
Por trás dos disfarces
- no meio de todos e de tudo -
sorri, complacentemente,
o Deus Nu.
Sorri, sobretudo,
para o poeta que toca o pandeiro
a lira
o pífano
o violoncelo profundo
enquanto,
ao pé de todas as cruzes,
soldados jogam aos dados
os destinos de Roma e do mundo.


            Poema

     O grilo procura
No escuro
O mais puro diamante perdido.
O grilo
Com as suas frágeis baterias de vidro
Perfura
As implacáveis solidões noturnas.
E se isso que tanto buscas só existe
Em tua límpida loucura

- que importa? -
Exatamente isto
É o teu diamante mais puro!


Poema olhando um muro


      Do
escuro do meu quarto
- imóvel como um felino, espio
a lagartixa imóvel sobre o muro: mal sabe ela
da sua graça ornamental, daquele
verde
intenso
na lividez mortal
da pedra ... ah, nem sei eu também o que procuro,
                                                             há tanto ...
nesta minha eterna espreita!
Pertenço acaso à raça odiada dos mutantes?
Ou
sou, talvez
-         em meio às espantosas aparências de algum mundo estranho –
um espião que houvesse esquecido o seu código,  a
                                                            sua sigla, tudo ...
- menos
a gravidade da sua missão!



[Orides Fontela]


            Oposição


Na oposição se completam
os arcanjos contrários
sendo a mesma existência
em dois sentidos.


(Um, severo e nítido
na negação pura
de seu ser. O outro
em adoração firmado.)
Não se contemplam e se sabem
um mesmo enigma cindido
combatem-se, mas abraçando-se
na unidade da essência.
Interfecundam-se no mesmo
bloco de ser e de silêncio
coluna viva em que a memória
cindiu-se em dois horizontes.



[Hilda Hilst]



            XV


Como se tu coubesses
Na crista
No topo
No anverso do osso

Tento prender teu corpo
Tua montanha, teu reverso.

Como se a boca buscasse
Seus avessos
Assim te busco
Torsão de todas as funduras.
Persecutória te sigo
Amarras, músculo.
E sempre te assemelhas
A tudo que desliza, tempo,
Correnteza.
Na minha boca. Nos ocos.
No chanfrado nariz.
Rio abaixo deslizas, limo
Toco, em direção a mim.

(Da morte. Odes mínimas)

        XXX

Juntas. Tu e eu.
Duas adagas
Cortando o mesmo céu.
Dois cascos
Sofrendo as águas.
E as mesmas perguntas.
Juntas. Duas naves
Números
Dois rumos
À procura de um deus.

E as mesmas perguntas
No sempre
No pasmoso instante.
Ah, duas gargantas
Dois gritos
O mesmo urro
De vida, morte.

Dois cortes.
Duas façanhas.
E uma só pessoa.
(da morte. Odes mínimas)








Um comentário:

  1. No conocía la poesía de Hilda Hilst,pero me parece una poeta muy buena por los poemas que he podido leer. Gracias por difundir poesia al mundo...

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