segunda-feira, 9 de abril de 2012

Memória, imaginário e movimento


[este ensaio está publicado em: BERND, Zilá. (org). Dicionário das mobilidades culturais: percursos americanos. Porto Alegre: Literalis, 2010]


Resumo : A memória, tal como é pensada pela objetividade científica da Sociologia e da  Psicanálise, não consegue abarcar as muitas possibilidades significativas para  construções de imagens brotadas da memória individual, que os textos literários, em especial a lírica sobre a infância e as autobiografias, apresentam. Para que se torne possível a articulação entre memória e movimento, este ensaio pretende ser construído buscando outra razão, a razão do imaginário, tal como a propõe Gilberto Durand. Tendo, portanto, a Filosofia do Imaginário como base argumentativa, as propostas de leituras serão encaminhadas a partir dos conceitos de devaneio, de sonho, de memória, de infância de Gaston Bachelard, desenvolvidos em seus estudos relativos aos elementos cosmogônicos na formação de uma “imagem material”, com especial enfoque para A poética do devaneio, tomando como exemplo de tais processos alguns poemas retirados de Poesia e sua autobiografia Segredos de infância, de Augusto Meyer.

            Para discorrer sobre a memória, cuja essência é a imagem que se movimenta, preciso usá-la no momento em que a penso. Como um círculo ininterrupto de relações paradoxais entre realidade e ficção, através do qual a memória salta e exerce seu poder articulador de inteligibilidade, eu me encontro em uma espécie de gozo e sofrimento para redigir tudo aquilo que me acorre e socorre na minha memória sobre a Memória. Tratá-la em seu aspecto sinestésico, através do qual os conteúdos do passado possam emigrar para o presente do ser devaneante, pressupõe considerá-la nas relações intrínsecas do trinômio: memória, imaginário e movimento. 
            O tema é bastante amplo e complexo. Em verdade, trata-se de um problema filosófico ainda sem respostas definitivas. Como eu vou entrar nessa discussão? A  partir de que ponto posso explorar o que preciso explorar? Em suma, que caminho devo tomar?  Sei, apenas, que conheço a memória, pois dela me utilizo em várias situações cotidianas, ritualísticas, profissionais. Por outro lado, pergunto-me se a entendo em suas particularidades, em suas divisões epistêmicas, em seus atributos neurotransmissores, etc.  Hoje em dia se fala muito em memória! Há receitas alimentares para mantê-la, há também discussões calorosas sobre as doenças demenciais, uma das quais se caracteriza pela perda da memória. e há a memória na literatura.
            Creio, então, que o melhor é organizar meus pensamentos.
Tenho a intenção de discorrer sobre a memória a partir de algumas questões genéricas, isto é, traçar uma rápida taxionomia, já realizada eficientemente a partir de Platão e Aristóteles até o século XXI. Esse assunto me encaminhará para um ambiente no qual eu me sinto mais à vontade, ou seja, da memória individual para a organização dela sob a chancela da palavra autobiográfica, e de como ela rompe com seus paradigmas. E daí buscar no tema da infância meus argumentos mais íntimos para entender e estender a memória. Na seqüência, gostaria de me permitir uma localização literária mais objetiva, quer dizer, mais concreta para mim. Refiro-me, certamente, à poesia lírica cujo foco orbita as recordações sobre e da infância do eu-lírico. Como minha proposta abrange a narrativa (já que memória é também uma narrativa!), no caso específico com que estou trabalhando a autobiografia, e a lírica de teor “memorialístico”, desejo ver essas questões todas na obra, ou em parte dela, de Augusto Meyer. Menciono, aqui, Segredos da infância e No tempo da flor, ambos textos constituídos a partir de um pacto autobiográfico de leitura (que mais adiante podemos discutir) e alguns poemas específicos retirados de Poesias.
Mas antes de começar, queria fazer uma confissão: desde que li, pela primeira vez (e eu nem sei localizar esse momento no meu tempo e na minha memória) a obra ficcional de Augusto[1],  senti que ela fazia parte de mim, como se de dentro dela eu encontrasse pedaços de minha memória. Declaro, sem pudores, meu incondicional amor a este poeta um tanto mergulhado no esquecimento da crítica (que geralmente só o vê como crítico de literatura) e dos leitores (já que sua poesia, por exemplo, ainda não alcançou uma segunda edição). Assumo, um olhar perturbado e encantado, uma vontade científica de entender e um envolvimento emocional para senti-lo. Em algum lugar, não lembro onde, Bachelard afirmava a necessidade de uma certa simpatia pelo autor a ser trabalhado.
UM OLHAR SISTÊMICO OU A RACIONALIZAÇÃO DO SENTIR
            Em Boitempo: a poesia autobiográfica de Drummond, propus que o palavra autobiográfica se consolida a partir de um alicerce arquitetônico triangular. Seus três vértices são o Tempo, a História e a Memória. Estão imbricados, mas não obedecem a nenhuma hierarquização entre eles. Um sem o outro não é possível, embora por necessidade de sistematização eu avaliei em separado cada uma das categorias. (Pelo que minha memória alcança, na época eu não tinha ainda uma desconfiança mais explícita sobre as lacunas que o pensamento binário - que trabalha com o sistema de exclusão, tipicamente europeu - deixa como falhas na apreensão dos movimentos. De todos modos, aqueles meus estudos me forneceram uma resposta considerável para eu pensar as produções autobiográficas como um produto do cruzamento destas categorias que nos colocam no mundo). Reelejo agora este triângulo como meu ponto de partida para este estudo. Mas preciso, pelos mesmos motivos ditos anteriormente, desmembrar essa base arquitetônica para vasculhar os significados e suas ramificações sobre a Memória.
            O conceito fundamental sobre o termo – Memória – quem oferece é o dicionário. Com pequeninas variações entre os filólogos dicionaristas, o verbete dá conta de sinonímias entre “recordação”, “lembrança”, “reminiscência”. É, sobretudo, faculdade de reter as idéias adquiridas anteriormente. A palavra em si, isto é, memória, vem do latim: memor -oris, isto é, que se lembra. “Lembrar”, por sua vez, remete a fazer recordar, trazer à memória. Como a gente já pode observar, pensar a categoria Memória significa lidar com pequenos traços diferenciadores entre os termos que a nomeiam. Parece que adentramos em um sinuoso jogo de palavras... onde um termo conduz a outro, mas apontando adensamentos, espaços singulares onde as coisas se dão.
Partindo destas nuanças semânticas entre os termos que definem Memória, Paul Ricoeur (2007) mapeou as significações mínimas, e localizou seu ponto de partida, como não poderia deixar de ser, em Platão[3]. Com um longo e sistemático estudo sobre o assunto, ele conduziu seu olhar centrando-se em um aforismo bem interessante. Diz ele que a memória é do passado (p. 35), expressão de autoria de Aristóteles, de quem, aliás, ele reatualiza ao longo de sua exposição. (Minha memória está repleta de conceitos e anotações sobre o tema, porque há meses tenho me dedicado a leituras referentes ao assunto. Meu sistema particular de memorizar não inclui fichamento de livros[4]. Prefiro organizar minha memória em outras bases e é a essas bases que me entrego neste momento de recordar aquilo que me interessa. Então, enquanto organizo minha linguagem, olho meu livro com pequenas anotações e linhas sublinhadas com o esforço concentrado de buscar a lembrança da importância que dei no instante em que as marquei.)  
Segundo Ricoeur, a filosofia grega entende a memória associada à imagem. Imagem do passado, mas sempre imagem e sobre ela, a imagem, recaem as dúvidas a respeito da veracidade daquilo que propaga. Dessa forma, a memória também entra na lista de suspeitas, pois trabalha com a representação presente de uma coisa ausente. Neste caso, quero ressaltar, a “imagem” é vestida de conotações pejorativas, cuja marca é a infidelidade. Esta perspectiva relega ao imaginário (humano) um estágio (muito) menor de ação intelectiva. Lembro, sobre isso, de algumas palavras de Gilbert Durand (DURAND; 2001):
Durante muitos séculos e especialmente a partir de Aristóteles (século 4 a.C.), a via de acesso à verdade foi a experiência dos fatos e, mais ainda, das certezas da lógica para, finalmente, chegar à verdade pelo raciocínio binário que denominados de dialética e no qual se desenrola o princípio da “exclusão de um terceiro” na íntegra (“Ou...ou”, propondo apenas duas soluções: uma absolutamente verdadeira e outra absolutamente falsa, que excluem a possibilidade de toda e qualquer terceira solução) (...) A imagem (...) propõe uma “realidade velada” enquanto a lógica aristotélica exige “claridade e diferença”. (p.10)
Por mais tentador que seja ir direto ao campo do Imaginário, já que recordei de Durand, proponho-me um resgate do pensamento ordenado e lógico de Ricoeur. E por que ele? Bem, porque ele parte do começo, ou melhor, daqueles momentos gregos que fundam nosso pensamento de “meio ocidentais” até a contemporaneidade, esquecendo, naturalmente, de pensadores “diferentes” como Bachelard e Gilbert Durand. Na esteira de Ricoeur, anoto que o problema da memória começa com os mesmos personagens paradigmáticos de sempre – Sócrates, Platão e Aristóteles. A decifração da memória encontra empecilhos já no início da sistematização do pensamento filosófico, pois a memória é associada à imaginação, e esta é, ainda, um enigma.
A mim, particularmente, me incomoda a posição demasiado racionalista e iconoclasta que Paul Ricoeur adota. Será que exagero? Talvez, porque o trabalho constante com as idéias do Imaginário, especialmente por intermédio de Durand e de Jean Burgos, e a intimidade com a poesia, pelos caminhos desvelados por Bachelard, tenham me feito repensar internamente a lógica racionalista, binária, tradicional de se apreender o mundo e tudo o que nele está grudado. Ricoeur, quando faz um esboço fenomenológico da memória, diz que a referência ao passado só pode ser feita com o recurso da memória. E esclarece que ela, a memória, tem pretensão de ser fiel ao passado. No entanto, e é aqui que nasce uma dúvida em mim, ele completa:
Se podemos acusar a memória de se mostrar pouco confiável, é precisamente porque ela é o nosso único recurso para significar o caráter passado daquilo de que declaramos lembrar. Ninguém pensaria em dirigir semelhante censura à imaginação, na medida em que esta tem como paradigma o irreal, o fictício, o possível e outros traços que podemos chamar de não posicionais. (p. 40, grifo meu).
Parece-me que o filósofo opõe, dessa forma, a imagem, tal qual um produto da imaginação, e, na seqüência, infiel a um “passado”, e a memória, como recurso à “verdade” sobre o passado, que buscaria uma espécie de objetividade imagética sobre aquilo de que se recorda. Mas como? Seria preciso repensar a idéia de “imagem”...  
Por outro lado, quero ressaltar que na seqüência, Ricoeur busca algumas definições de seu objeto de atenção. Ele separa “memória” e “lembrança”. Curioso que, neste momento de seu estudo, Ricoeur sequer menciona Bachelard! Lembro, sobretudo, da distinção que Bachelard faz entre “sonho” e “devaneio”... mas pretendo me deter neste aspecto um pouco mais adiante.  No momento, quero recordar de algumas questões que me parecem interessantes. Para Ricoeur, estabelece-se uma diferença básica entre memória e lembrança. Em primeiro lugar, memória é singular, enquanto que a lembrança é plural: Dizemos a memória e as lembranças (p.41). À primeira, acompanhando Husserl, dá o nome de “noese” – memória ou rememoração, e “noema”, à lembrança. Estabelecida, assim, a distinção entre ambas, ele acaba propondo que as lembranças podem ser tratadas como formas discretas com margens mais ou menos precisas, que se destacam contra aquilo que poderíamos chamar de um fundo memorial, com o qual podemos nos deleitar em estados de devaneio vago.(p.41). E mais: as lembranças serão feitas a partir de um privilégio concedido aos acontecimentos. Aquilo que ele chama de “lembrança-acontecimento” assume um caráter paradigmático, pois trata-se de um equivalente fenomenal de um acontecimento físico. O acontecimento é simplesmente aquilo que ocorre (p. 42).
Creio que a necessidade epistemológica orientou o filósofo francês a desenhar uma lógica, uma gradação tendendo a uma tipologia ordenada, como ele mesmo menciona (p. 43). Utiliza, para isso, o binarismo. O primeiro par de oposições, segundo Ricoeur, é constituído por hábito-memória. Ele deseja significar a memória vinculada a um saber adquirido que é sempre trazido ao presente. Ele lembra de mencionar Bergson, com a distinção entre as duas memórias, a saber: memória hábito e memória lembrança. O que faz a diferença entre uma e outra é justamente que a primeira repete e a segunda imagina. Mas ambas são atravessadas pelo tempo, ele faz questão de frisar. Começamos, finalmente a tocar naquilo que me interessa... imaginar..., o que traz à memória rastros semânticos de “movimento”, de insubmissão a uma verdade objetiva.
O segundo par proposto por Ricoeur, isto é, evocação/busca, se assenta na divisão já proposta por Aristóteles sobre o tema. Ele fala de mneme, a evocação, e de anamnesis, a busca ou também chamada de recordação. Destrinchando as palavras em suas mínimas significações, bem ao gosto de um arqueólogo, acaba por estabelecer um grau de importância à busca-recordação. Usando as propostas de Bergson, de Matéria e Memória, refere que há uma “recordação laboriosa” e uma “recordação instantânea”. Por fim, fechando sua “fenomenologia”, Ricoeur trata do terceiro par opositivo: reflexividade e mundanidade. Sobre essa característica da memória, diz que não nos lembramos somente de nós mesmos, mas que sempre estaremos, na nossa lembrança, imbricados em situações do mundo, com o espaço, com o nosso corpo e com o corpo dos outros. Ou seja, a lógica da física de Newton – tempo versus espaço, é na intersecção desses dois vetores que a gente existe (claro, esta referência à Newton ele não fez!).
Para finalizar sua fenomenologia da memória, Ricoeur se deteve sobre a lembrança e a imagem. E constata que separar essas duas categorias o encaminhou justamente a reaproximá-las. São palavras dele:
Certamente dissemos e repetimos que a imaginação e a memória tinham como traço comum a presença do ausente e, como traço diferencial, de um lado, a suspensão de toda posição de realidade e a visão de um irreal, do outro, a posição de um real anterior.(...) que necessidade faz que, depois de ter separado a imaginação e a memória, seja preciso associá-las de maneira diferente da que presidiu à sua dissociação? (p. 61)
Não consigo impedir em mim mesma um sentimento de obviedade... eu gostaria de responder que a necessidade indagada é justamente a constatação da inoperância do sistema binário e excludente com o qual a filosofia européia costuma trabalhar. Não quero me adiantar, mas é impossível não fazer menção à poesia modernista brasileira que incorpora o “terceiro” elemento, como queria Gilbert Durand[5]. No entanto, preciso seguir adiante e, dessa forma, retomo Ricoeur:
Enquanto passada, a coisa lembrada seria pura ‘phantasie’, mas, enquanto dada de novo, ela impõe a lembrança como uma modificação sui generis aplicada à percepção; sob esse segundo aspecto, a ‘phantasie’ poria em “suspenso” a lembrança, a qual seria, por causa disso, mais simples que o fictício. Teríamos, assim, a seqüência: percepção, lembrança, ficção. (p. 65)
Parece-me que mesmo assim ele delega à imaginação um patamar mais abaixo em relação à ação intelectiva racionalista, cuja lógica assenta em critérios mais ou menos definidos a partir de valores que se excluem, tal como se apresenta no pensamento socrático e platônico, por exemplo. A conclusão de Ricoeur é, por isso mesmo, eloqüente de seu ponto de vista:
Uma fenomenologia da memória não pode ignorar aquilo que acabamos de chamar de cilada do imaginário, na medida em que essa composição em imagens, que se aproxima da função alucinatória da imaginação, constitui uma espécie de fraqueza, de descrédito, de perda de confiabilidade para a memória. (p.70)
Mas antes de finalizar esse pequeno capítulo, digamos sistematizador, sobre a memória, preciso mencionar Jacques Le Goff. Ele fala em três tipos de memória: memória específica, memória étnica, memória artificial. Seu estudo é bastante interessante, e foi de muita valia para eu me iniciar nos pensamentos sobre o tema. Ainda que mantenha um sentido organizacional metódico, ele delega ao imaginário boa parte da constituição da memória, ainda que pela via de Bergson. Reproduzo suas palavras:
Em 1896 Bergson publica ‘Matéria e Memória’. Considera central a noção de “imagem”, na encruzilhada da memória e da percepção. No termo de uma longa análise das deficiências da memória (...) descobre, sob uma memória superficial, anônima, assimilável ao hábito, uma memória profunda, pessoal, “pura”, que não é analisável em termo de “coisas” mas de “progresso”. Esta teoria que realça os laços da memória com o espírito, senão com a alma, tem uma grande influência na literatura. (p.471)
Le Goff também articula a memória à história e é essa relação que interessa ao historiador. Assim, ele se preocupa menos com a memória individual e bem mais com a coletiva. Mesmo que eu não adentre essa tipologia, porque, de fato, não me interessa para o momento, quero referir que Le Goff reconhece [continuar mas priorizando a memória coletiva]

UM OUTRO SABER
            Muito bem, agora que já paguei tributo à “arqueologia de um saber” sistematizado a partir do racionalismo tradicional, quero repensar o que é a memória para a literatura, mais especificamente para a poesia de temática memorialista e para as escritas autobiográficas. Deixo de lado, então, a preocupação com tipologias, ou seja, começo a percorrer a memória que não se prende a uma noção estrita de “verdade”, a memória que não tem medo das imagens através das quais ela se corporifica na rememoração, a memória que se movimenta de acordo com as necessidades da fabulação. Talvez eu devesse esmiuçar um pouquinho o pensamento de Bergson, mas quero fazer a ressalva de que isso já foi feito em larga medida, tanto por Le Goff quanto por Ricouer, aqui citados. Aliás, convém sublinhar que ele (quero dizer Bergson) é uma espécie de ponto de partida quando se pensa na relação entre memória e literatura. São conhecidos seus trabalhos sobre o tema através do exemplo já clássico de Marcel Proust. E, no entanto, lembro de uma citação para melhor me localizar naquilo que desejo expor:
            ‘Imaginar” no es ‘acomodarse’. Indudablemente, um recuerdo, a medida que se actualiza, tiende a vivir em uma imagen; pero lo recíproco no es cierto, y la imagen pura y simple no me llevará al pasado más que si He ido efectivamente a buscarlo em el pasado, seguiendo así el progreso continuo que le há llevado de la oscuridad a la luz. (p.49)
            Na verdade, trouxe essa citação porque concordo em meia afirmação. Recomeço com Bachelard, apesar dele não ter se dedicado a escrever nenhum ensaio sobre o tema, pensando-o diretamente. Mas se preocupou com o tempo e suas relações psicológicas no indivíduo, suas conseqüências[6]. Daí aparecer, mesmo que de viés, a memória. E a ela o filósofo dedicou interessantes páginas ao longo de toda a sua obra, tanto aquela que se convencionou chamar de “diurno” quanto nas do “noturno”. Curiosamente, o vocábulo memória não aparece como verbete no Dicionário de imagens, símbolos, mitos, termos e conceitos bachelardianos, de Agripina Ferreira.  
            Quero anotar algumas particularidades que me interessam muito. A primeira delas é que os conceitos, em diversos autores, costumam ser repetições do já dito em outra forma, em outro momento, por outro autor. Freqüentemente, as definições são superpostas umas às outras, mudando a nomenclatura. Tal parece ser o caso da Memória. Claro, estou generalizando, porque me refiro, por exemplo, à bibliografia específica que tenho consultado sobre a Memória. Por outro lado, quero lembrar de um procedimento muito semelhante, mas que traz pequenas variações importantes. O tempo para Bachelard é quase o mesmo que é para Mircea Eliade. Mas o primeiro o divide em “tempo vertical” e “tempo horizontal”. Já o segundo chama os tempos por “tempo mítico” e “tempo profano”. A diferença, sutil, é que para Eliade, o tempo mítico só é vivenciado a partir de uma experiência religiosa e sacralizada a partir de um sistema religioso que se configura como cosmogonia. Para Bachelard, a tempo vertical se insurge independente de um contexto religioso. Vale a pena a citação um tanto longa, mas explicativa:
            O tempo vertical eleva-se. Às vezes ele também soçobra. A meia-noite, para quem sabe ler ‘O corvo’, nunca mais soa horizontalmente. Ela soa na alma, descendo, descendo... (...) é no tempo vertical – descendo – que se escalonam as piores dores, as dores sem causalidade temporal, as dores agudas que atravessam um coração para nada, sem jamais enlanguescer. É no tempo vertical – subindo – que se estabiliza a consolação sem esperança, essa estranha consolação autóctone, sem protetor. Em suma, tudo quanto nos aparta da causa e da recompensa, tudo quanto nega a história íntima e o próprio desejo, tudo quanto desvaloriza ao mesmo tempo o passado e o futuro, encontra-se no instante poético. (p. 104[7]).
            Neste caso específico a que me refiro, há, evidentemente, um acréscimo de característica apontada por Bachelard, que estica a suspensão do tempo “cronológico” e profano a uma vivência que podemos chamar de “devaneio”. E que necessariamente não tem uma relação direta e dependente de nenhum sistema religioso. Até poderíamos discutir a inserção da poesia neste caso de Bachelard como algo que se assemelhasse ao sentimento religioso, mas isso me levaria a outros caminhos para nossa discussão e eu acabaria deixando de me focar nas questões relativas à memória. Meu interesse agora não é saber o que é a memória, mas sim como ela se comporta. Na verdade, preciso esclarecer (principalmente para mim) quais são os caminhos da memória através dos quais ela se corporifica em literatura.
Devaneio não é sinônimo de memória, mas esta se realiza através daquele e vice-e-versa. Mas antes de eu relembrar os conceitos de Bachelard sobre este assunto, queria recordar algumas questões interessantes que nos conduzem ao exercício da memória para o leitor de poesia. Na parte introdutória de A poética do espaço, Bachelard comenta sobre a posição do leitor de poesia. Explicando o par “ressonância-repercussão”, o filósofo esclarece que as ressonâncias se dispersam em diferentes planos na vida do leitor, e que as repercussões nos incitam a um aprofundamento da nossa própria existência. Ele argumenta: Na ressonância ouvimos o poema; na repercussão o falamos, ele é nosso. (p.07). Eu mesma me pergunto: e o que isso tem a ver com a memória? Parece que nada, não é?, mas vou contra-argumentar com uma citação na qual a memória aparece de maneira muito sutil:
É depois da repercussão que podemos experimentar ressonâncias, repercussões sentimentais, recordações do nosso passado. Mas a imagem atingiu as profundezas antes de emocionar a superfície. E isso é verdade numa simples experiência de leitura. Essa imagem que a leitura do poema nos oferece torna-se realmente nossa. Enraíza-se em nós mesmos (p. 07).
Ocorre que muitas e muitas vezes a gente lê uma peça literária, especialmente um poema, ou partes de autobiografias (e eu particularmente lembro de autobiografias de poetas, como as de Murilo Mendes e mesmo a trilogia do Drummond, sem falar, é claro, da autobiografia do Augusto Meyer) e se depara com imagens profundamente familiares que parecem mesmo surgidas da nossa própria memória. Ou, por outra, a imagem brotada do poema é tão intensamente especial que faz renascer em nós imagens semelhantes, ou não, de nossa memória esquecida. É a partir dessa situação que me posiciono para escrever este ensaio-carta. Ou seja, a minha experiência de leitora é quem governa as imagens sobre a memória. Um dos resultados mais freqüentes é aquele que Bachelard relata:
E foi assim que escolhi a fenomenologia na esperança de reexaminar com um olhar novo as imagens fielmente amadas, tão solidamente fixadas na minha memória que já não sei se estou a recordar ou a imaginar quando as reencontro em meus devaneios (p.02)[8]
A experiência de leitura preconizada pelo filósofo encaminha  algumas questões que me parecem pertinentes.  Na verdade, estou lembrando dos conceitos sobre sonho desperto[9] e devaneio. Neles a memória é fator preponderante. Vamos ver se eu consigo me explicar melhor. Devaneio é o produto do cogito de um sonhador e tem como ponto de partida alguma coisa do presente ou do passado (...). As barreiras impostas pelo tempo linear são superadas. As reminiscências de um longínquo passado retornam ao presente, alojando-se, abrigando-se na alma do sonhador (p.57)[10].
            Bem, quero fazer uma afirmação. Memória é imaginação. Sei que estou repetindo o que já foi dito antes, mas é que geralmente, quando se associa memória à imaginação, o fardo negativo da imaginação é o que mais pesa. O racionalismo clássico,  que ainda perdura nos meios acadêmicos, é extremamente refratário aos campos do imaginário. Gilbert Durand dizia que o método da verdade baseado na lógica binária (de origem socrática, platônica e aristotélica) uniu-se ao iconoclasmo religioso, que via na imagem uma realidade muito velada e, portanto, perigosa, enganosa. A “imagem”, assim, ficou conhecida através do epíteto “casa de loucos”.  É através desta posição que as ciências cresceram, especialmente a partir de Galileu e Descartes, os quais fundaram as bases da física moderna, e, na esteira desta, o positivismo que ainda hoje é disseminado como “método” eficaz para se atingir uma verdade[11]. Para mim, a beleza da memória está justamente na sua capacidade de tornar presentes as imagens passadas. A “verdade” estrita daquilo que é rememorado fica por conta de necessidades que estão muito aquém da literatura.
Já que a memória traz ao presente imagens do passado, posso dizer que a memória é também movimento.  Mas quero marcar uma idéia de movimento não como deslocamento em um espaço! Refiro-me a um tipo de movimento que implica na desestatização da imagem, fazendo-a se deslocar no tempo – de pretérito para o presente (pergunto-me se em vez de presente eu não deveria usar gerúndio!). Bachelard dizia que a imagem não é apenas um objeto ou uma representação sensível da realidade; ela é uma produção criadora e não reprodutora. Como criadora, não está submetida a uma concepção estrita de “realidade” passada. É neste sentido que penso a memória. Será que me faço entender direito? Lembro igualmente de Jean Pouillon que afirmava que:
            Acredito ter maiores probabilidades de encontrar a verdade buscando compreender agora o que aconteceu do que pedindo à minha memória para me fornecer mais informações que as que ela me pode dar e que ela haverá então de inventar em meu lugar; quando é a memória que inventa,  o que ela traz é a mentira (p. 40).
            O conceito de “verdade”, aqui, é colocado em dúvida. Creio que terei oportunidade para demonstrar o que acabo de afirmar quando farei uso de alguns poemas de Augusto Meyer. Veremos, também na sua autobiografia, que o próprio poeta indaga sobre a veracidade daquilo que está rememorando.
            Por ora, preciso continuar esclarecendo meus pensamentos. E, para isso, retorno ao devaneio. Porém, como preciso me conduzir aos caminhos da memória, opto por fazer um direcionamento do devaneio sobre a infância. Primeiro esclarecimento: as autobiografias são geralmente escritas na chamada terceira idade e buscam, no mais das vezes, recompor imagens de outrora; a poesia de base modernista, a que tenho me dedicado, igualmente apresenta inúmeras peças literárias cujo tema é a recomposição de um “eu-menino” que se perdeu nas passagens dos tempos. Uma rápida lembrança me faz elencar Drummond, Bandeira, Murilo Mendes, poemas de Cecília Meireles (especialmente aqueles publicados postumamente), João Cabral (A escola das facas) e, naturalmente Augusto Meyer. Como se percebe, a infância não se constitui em um tema ocasional. É justamente por causa da freqüência do assunto e da necessidade da rememoração inerente ao tema que a memória atinge um alto grau de importância. Pois ela é o vetor que possibilita a revivência da infância[12].  
            Bachelard dedicou-se à memória de sua própria infância, mas não explicitou sua relação de maneira declarada. No entanto, parece-me que faltou ao filósofo pensar com mais assiduidade a memória e seus caminhos. Assim, quando ele afirma que a memória é um campo de ruínas psicológicas, um amontoado de recordações (p.94), parece-me que ele “esqueceu” de investigá-la e perceber que memória e imaginação não se excluem. Antes, complementam-se. Creio que ele levou em consideração a tradicional acepção de memória como um mecanismo psíquico que torna presente alguma verdade referente ao passado, o que mobiliza a imagem sobre o passado. É fato que em nossa memória estão bem plantadas imagens que foram sendo construídas a partir de relatos de outros, geralmente pais, irmãos, tios, enfim, pessoas que nos conheceram quando éramos crianças. O curioso é que estas imagens dão conta de um passado que é nosso, mas que não foram produzidas pelos nossos sentidos.  Contudo, na mesma seqüência, Bachelard complementa: Toda a nossa infância está por ser reimaginada (p.94). Eis aqui o elemento fulcral para minha perspectiva. Para reimaginar nossa infância é necessário trazer do fundo da memória certas imagens esfumaçadas que ascendem à nossa consciência, porque foram despertadas por alguma coisa, e em torpor devaneante passamos a imaginá-las com vigor.
              Seguindo a esteira de Bachelard, devo apontar que todo homem adulto tem uma infância potencial dentro de si. Para além de questões românticas, o reencontro via devaneio com esta infância se dá no limite da história e da lenda. A imagem prevalece sobre datas, acontecimentos pontuais, marcas que a história conta; é como se a imagem estivesse (e de fato está) em suspensão no tempo, naquele tempo vertical que fiz menção anteriormente. Mas trata-se, fundamentalmente, de imagens primeiras, às quais fundam uma cosmogonia particular de cada poeta. Sobre Augusto, particularmente, quero antecipar sua imaginação material a partir de elementos ligados à água e ao ar, concomitantemente.
            As anotações de Bachelard sobre o passado são primorosas! Ele diz que o passado não é estável e que acorre à memória sempre de maneira diferente. Para ir à memória mais profunda, que desperta e provoca o devaneio, e vice-e-versa, é preciso reencontrar, para além dos fatos, os valores vividos. Diz o filósofo:
            (...) para constituir a poética de uma infância evocada num devaneio, cumpre dar ás lembranças sua atmosfera de imagem (...) o passado rememorado não é simplesmente um passado da percepção. Já num devaneio, uma vez que nos lembramos, o passado é designado como valor de imagem (p.99).
            E mais, ele afirma que a revivência dos valores do passado está incondicionalmente atrelada à aceitação dessa grande “dilatação psíquica” que é o devaneio. A história da infância não é psiquicamente datada, e, portanto, o devaneio sobre a infância desloca pensamentos sem seguir um fio de uma história de feição hegeliana. No mais das vezes, os relatos sobre a próoria infância retratam uma historicidade que incomoda o leitor, porque o que se lê é aquilo que a pessoa aprendeu desde pequeno, apreendeu como pedagogia. A repetição de acontecimentos que a memória traz, nestes casos, torna enfadonho e previsível o desenrolar da história. Diz Bachelard, e eu concordo com ele, que é no entardecer da vida que descobrimos em sua profundeza as nossas solidões de criança (p.102). A palavra autobiográfica assume, de certa maneira, a possibilidade de concretizar este estado de ânima a que a pessoa se entrega pelo devaneio. A infância retorna pela memória não como acontecimentos traumáticos, mas sim como o “poço do ser”.
            (...) é nas lembranças dessa solidão cósmica que devemos encontrar o núcleo de infância que permanece no centro da psique humana. É aí que se unem mais intimamente a imaginação e a memória, vivendo com toda a imaginação as imagens da realidade ( p.102).
            É justamente aqui que eu desejava chegar. A memória assim utilizada encaminha a um estado de superação dos meros fatos do pretérito.  Não importa mais a busca de uma memória que reproduza a realidade; ela pouco nos conta de nós mesmos! O imaginário tem mais a nos contar do que a triste e objetiva realidade, seja lá o que se entende por realidade! Não se trata, entretanto, de confundir imaginação com mentira! Para este meu momento, é já suficiente: a memória é imaginação!

AUGUSTO MEYER E A MEMÓRIA IMAGINADA
            A escolha de Augusto Meyer para demonstrar a memória como movimento e em movimento se deve primeiramente à minha própria memória, mas igualmente pela intensa perspicácia do poeta sobre o assunto. Mais conhecido pela sua produção crítica do que propriamente como poeta, foi homem que se entregou prazerosamente ao exercício do tema. Em toda sua obra poética a memória da infância e de si mesmo surge com muita intensidade. Carlos Dante de Moraes afirmava: “Temos para nós que Augusto Meyer foi poeta, enquanto pode de certo modo identificar-se com o sentimento de maravilha e embevecimento do menino novinho que escancara os olhos ante as coisas cotidianas, os acontecimentos triviais.” (MORAES; 1957:282).
            Refletindo sobre as poesias completas de A. Meyer, Tânia Franco Carvalhal observou que o poeta, ao compilar sua própria produção, reorganizou seus poemas de forma a enaltecer o caráter memorialístico de sua poesia. Diz a ensaísta: “A nostalgia dominante e a intensa musicalidade dos versos acentuam ali a intenção de recompor o trajeto de vida e poesia em procedimento muito proustiano. A memória, portanto, é recurso dominante no que se poderia chamar de ‘poética do refazer’” (CARVALHAL; 2002:14:15). O recurso à memória extrapola a mera lembrança. Trata-se, enfim, de um tema, no qual os acontecimentos rememorados são importantes, é claro!, mas servem a um desejo intelectual de recriar seu mundo particular. E isso se dá não apenas na medida do passado pessoal – como a infância – mas também no que diz respeito às questões formais da poesia.
            Revendo o volume Poesias[13], organizado pelo próprio poeta, observo que a preocupação formal com que iniciou sua poesia, nos anos iniciais do século XX - Alguns poemas, de 1922 – 1923 -, retorna com maior vigor nos poemas finais, enfeixados em Últimos poemas, de 1950 – 1955[14]. A memória, aqui, funciona como articuladora de um procedimento estético consciente e deliberado. A impressão que me causa é a de que o poeta, após longos anos sem escrever e publicar um poema sequer, decide retornar à poesia conduzido pela memória, e esta será expressa em imagens primitivas que já estavam no primeiro volume, nas formas fixas como o soneto, nos temas recorrentes tais como o claro e o escuro, o espelho, o aroma das flores e das coisas. Todos estes fatores compõem, é certo, uma visão um tanto nostálgica, mas não de forma passiva. A memória é recriada, reinventada, re-imaginada. Pelo imaginário do poeta, em imagens expressivamente ligadas à água e ao ar, o passado se movimenta de sua estatização de pretérito e retorna ao presente do homem adulto que está em permanente busca de si mesmo. Pela memória, o que o passado traz?
            A resposta me é dada quando abro meu volume de Poesias. O primeiro poema –  “Tapera” –, aliás, um soneto, descreve uma paisagem aparentemente bucólica e triste. Trata-se de uma casa em ruínas, tomada pelo tempo. Os quartetos a descrevem e os tercetos, iniciados pela adversativa “mas”, advertem sobre um joão-de-barro, que fez ninho na quincha do telhado. “(...) e, cantor da vida, agora / sobre as ruínas, sonora, / solta a risada estridente”[15]. A metáfora que comanda o poema se revela no pássaro, animal cujo ambiente é aéreo.
Ele canta; assim também o poeta, cujo ofício é reconhecidamente o “canto”. Não posso olvidar a adjetivação dada ao pássaro-cantor: ele é “afogueado”. O que isso quer dizer? Ora, na sua autobiografia, e mesmo em seus poemas, Augusto faz inúmeras menções à cor de seus cabelos – ruivos – da cor do fogo. O joão-de-barro, que se instalou no canto mais alto da casa em ruínas, para cantar sua vida, parece encarnar o ofício poético do autor, reconhecidamente um poeta memorialista. Os vocábulos “tapera”, “macega”, “ruínas”, que também estruturam o soneto, revelam-se como sinonímias para o passado, corroborando a imagem do memorialismo, ao mesmo tempo em que “funda” uma idéia de poética. O poema não realiza propriamente um exercício de memória, mas reflete sobre o tema. A “risada estridente”, que fecha o soneto definindo pela metáfora do pássaro-poeta o produto da memória, ou seu exercício, compõe uma quase antítese. A risada normalmente é aliada da alegria, mas esta é estridente, marca sonora que machuca os ouvidos de quem a ouve. Há, assim, a mescla de opostos, característica já apontada por Tânia Carvalhal, e muito presente em toda a obra do poeta.
            A memória de si faz parte de um complexo poético cuja marca é a angústia de ter se perdido; mas a perda se complementa no embevecimento de se procurar. Não se trata, na poesia de Augusto, de um sentimento romântico baseado em idealizações do pretérito. Muito ao contrário: a consciência da fissura entre presente e passado impulsiona o poeta para a memória que recria o passado, movimentando-o pela ficcionalização daquilo que a memória captura. A imaginação do que deveria ter sido (ou foi – aqui não interessa a recuperação estrita de uma verdade do passado!) inspira o sujeito a se reconhecer na diferença.
É curiosa essa relação do poeta com sua auto-imagem. O poema “A paleta do poeta” (p. 17), que reatualiza o mito de narciso, nos tercetos diz o seguinte: “(...) Fecho os olhos; no escuro tumultua / todo um formigamento furta-cor: / arco-íris, aureolado astro violeta... // E tudo o que eu não pus na tela nua / vejo-o de novo em luz, em linha, em cor, / nas manchas coloridas da paleta!” Impossível não lembrar Bachelard: o poeta cerra os olhos para lembrar de si, de seus contornos, das linhas de sua face, de sua interioridade. É na escuridão que encontra o caminho para recordar de si. Mas o interessante na primeira imagem que brota com os olhos fechados é o movimento da memória – a palavra “formigamento” do segundo verso acima transcrito, e que metaforicamente assume o ato de rememorar, contém semanticamente uma idéia de pulsação, de movimentação, de atividade intensa. Portanto, a memória, em Augusto, não é um produto estático e acabado, mas sim algo em constante movimento a ser recomposto indefinidamente.
O tempo, elemento imprescindível para a memória, adquire, na poesia de Augusto, um caráter importantíssimo, porque é através dele, melhor dizendo, é deslizando sobre ele que o poeta logra alcançar a memória em movimento. Explico melhor: aquilo que aconteceu no passado retorna tão firme e tão verdadeiramente que o tempo verbal dos poemas é declinado no presente do indicativo. O poema “Ressolana” é bastante elucidativo da vivência deste tempo verticalizado, porque recria imagens do passado trazidas ao presente. São imagens que retratam o calor nos campos. O mormaço, o boi que deita em busca de sombra, a quentura da terra que arde em vapores minúsculos, tudo ajuda a compor um quadro do passado quando o poeta ainda era um menino, mas que adquire vida porque passa a ser vivenciado novamente:
(...)
A cabeça do alazão é uma chama esbelta
cortando o campo a trote largo.
Vejo as orelhas agudas que se movem,
sinto o corpo fremente do cavalo.

Há tanta harmonia entre o choque dos cascos
e o meu tronco agitado na vibração febril,
que eu compreendo a glória animal da carreira

- Vou!
enrolado na força do sol. (p.70).
Reparemos nos verbos! O verbo ser, no presente do indicativo, retira o sujeito lírico do presente e o reencaminha ao passado, quando era o menino que montava o alazão nos dias quentes de verão para, como resultado final, estabelecer-se como presente. Assim, a imagem que o poema compõe é a daquele passado que se transformou em presente revivido. E as marcas verbo-temporais são a expressão mais concreta desta memória que atualiza o acontecimento pretérito. De tal maneira isso se dá que o poema, sintomaticamente, finaliza com um imperativo marcado pela exclamação: “- Vou!”.
Ao longo de toda sua poesia podemos perceber a memória como catalizadora na constituição de uma identidade que se pluraliza, na medida em que transita entre passado e presente. Ora é o vento experimentado na infância que arrebata o homem transportando-o aos tempos de meninice, ora é o aroma de pitangueiras e de maricás que faz o adulto movimentar-se reinventando suas emoções.  Gostaria de afirmar que se trata, ao fim e ao cabo, de uma dilatação psíquica, como assim denominou Bachelard, - o devaneio poético sobre a infância. As imagens que reatualizam as vivências do homem são imagens de movimentos: movimentos aéreos, movimentos odoríferos, puras sinestesias.
A palavra poética, por natureza contida, parece não ter respondido às indagações do poeta, ou pelo menos não foi o palco ideal para um devaneio explícito mais estendido. Em 1949 decidiu se entregar à palavra autobiográfica publicando Segredos da infância, e em 1966 a segunda parte, intitulada No tempo da flor[16]. Na prosa poética de que se constituem ambos os textos, Augusto se libera um pouco da forma concisa da poesia, exercitando-se na narração. Poderíamos dizer que ele disserta sobre a memória ao mesmo tempo em que a narra: “A memória da infância é uma ilha perdida. Navegando para lá, não sei por que, lembra-me Fabini e a ‘islã de los ceibos’.(...)  A mesma incerteza dos compassos iniciais; depois, o mesmo clarão de descobrimentos imprevistos.” (p. 15).
Assim como ocorre em alguns poemas, alguns capítulos da autobiografia do poeta reatualizam certos acontecimentos, mas de forma mais detalhada. Para remeter o leitor a um contexto de intimidade, Augusto começa a contar sua infância pela primeira recordação que consegue alcançar. Diz ele que lembra um muro velho em um quintal de uma casa indefinível. Descreve algumas marcas do tempo, reparando na textura do musgo. E o devaneio se inicia com a “visão” da beleza livre da mancha verde e úmida que marca o muro: “Fecho os olhos, e ela me enche de luz, como um aviso de vida teimosa” (p.15).
O curioso é que o poema “A paleta do poeta”, que mencionei antes, tematiza outro assunto – reatualização do mito de narciso, eu poderia dizer –  mas que também inclui o ato rememorativo com o fechar de olhos, como se o poeta buscasse um tipo de concentração emotiva capaz de lhe devolver repentinamente o passado, verticalizando-o para sua suspensão no devir. Este sentimento muito presente na poesia, na narrativa é mais do que uma estratégia discursiva; trata-se de única possibilidade de viver novamente aquilo que precisa ser reinventado. Mergulhar no devaneio para nele reimaginar seu “poço do ser”: “Voltar à raiz da vida, reviver aquela fase em que a gente é ao mesmo tempo todas as coisas, berço, aurora, sino e onda, uma parcela integrante da totalidade, sem o individualismo exclusivista. No começo era a dispersão.” (p. 15).
A consciência da ficcionalização da memória se concretiza a partir de imagens que a memória resgata como expressão de movimentos inusitados, porquanto são representações imaginadas de um passado individual. Estas questões teoréticas sobre a memória estão espalhadas por todas as partes que compõem sua autobiografia. No entanto, quero apontar a agudeza do tema e da inteligência literária de Augusto ao incorporar organicamente ao seu texto as marcas filosóficas que seguiu, isto é, a memória como imaginação. Segredos da infância inicia com um capítulo especial, intitulado “Carta aos meus bisavós”. Para a economia de uma autobiografia, trata-se de um processo de fundação do autobiógrafo, o qual retorna ao passado mítico da família a que pertence, realocando-se numa seqüência familiar que principia no passado remoto de instalação da família no Brasil, Rio Grande do Sul[17].  Por se tratar de uma carta, o remetente é o adulto Augusto Meyer que escreve aos pais de seus avós usando uma marcação verbo-temporal usual, mas, em dado momento, faz a seguinte observação:
       Mas, ou eu muito me engano, ou já desandei a escrever uma novela, traído pelas incorrigíveis manhas da minha fantasia, que não respeita maneia nem soga e vive a retouçar nos verdes da improvisação.
       Felipe e Maria Klinger, volto à pauta desta carta, mal traçada e comovida, por onde meus garranchos de menino se enroscam, atarantados, subindo e descendo... Sei dizer que, peregrinando agora pelas mesmas terras, numa desesperada tentativa de entrevistar os meus fantasmas, aos poucos vossa imagem frouxa começou a impor-se, clareada de poesia; quanto mais vaga, mais viva. E o bisneto põe-se a aumentar um ponto no conto. (Pp.12:13)
            A declaração, além de profundamente comovida, vem acrescida de observações sobre questões relativas à produção de um passado intermediado pela memória que, justamente, impõe uma “poesia” por conta da ausência de referentes objetivos. A ficcionalização, assim, passa a ser o caminho possível para resgatar a memória familiar.
            E a memória individual também alcança o patamar da ficção. Como se estivesse comentando Bachelard, Augusto reflete:
       Nada sabemos do começo. O que os outros mais tarde contaram, tentando retraçar aos nossos olhos a imagem da criança que já fomos, não diz nada às vozes da memória, nem de leve toca nas cordas da revelação. Os outros só nos falam de outro; não podemos contar com o auxílio de ninguém para dar os primeiros passos no tempo que passou. É dentro de nós mesmos que ele dorme, como a verdade no fundo de um poço. (p.16)
            Ainda no mesmo capítulo, deixa que o leitor tome conhecimento de suas marcas imaginárias. Vincula seu ser no mundo ao ar (o vento Minuano que também aparece em alguns de seus poemas mais belos) e à água: “(...) quando ouço um murmúrio de água corrente, aquele murmúrio que associamos a não sei que profundas vozes interiores, é o arroio do Cerro d’Árvore que me acode à memória (...)” (p.18). Estes são os elementos que marcarão o imaginário do poeta.
            Sobre o processo de rememorar, propriamente dito, Augusto declara:
       Esta parte da narrativa, só a ouvi contada por minha mãe, e se de fato aconteceu, por malasartes do Diabo Rengo, escorregou da minha memória, pelo menos dessa ilha consciente da memória (...) e, iluminado pela visão ideal, o cinema permanente, lá dentro da sala escura da inconsciência, começa a desenrolar a trêmula, pálida, salteada fita das recordações. A magia de rever, a ilusão de tocar transforma o passado em  presente, aprofunda a vida no tempo, rasga abertas para o futuro. Sou a criança do Cerro d’Árvore (...) (p.22)
            Creio que com estas palavras de Augusto, a questão da memória como movimento, porque imagem, se esclarece. O devaneio a que o autobiógrafo se entregou anula o distanciamento temporal, ou melhor, retira o homem do tempo profano e horizontal e o insere no tempo mítico e vertical. Dessa forma, o homem maduro que escreve sua vida, deixa-se invadir pelo menino que sua memória reconstrói, e pode afirmar: “Sou a criança do Cerro d’Árvore”. Os fatos do passado, isto é, aqueles acontecimentos que um dia foram relatados por terceiros e que eventualmente estão resguardados em uma verdade objetiva como acontecimento do passado histórico do homem, estes são apenas referências para a reconstrução de uma vida já vivida e que, por força da memória imaginativa, faz retornar ao presente com a força criadora de sentidos.
            Tudo o que o poeta lembra, adquire uma razão profunda – conciliar o homem com sua imagem de infante. E mais que isso: reviver aqueles momentos inaugurais nos quais a sua consciência se fez. Ademais, na autobiografia, sua poesia é explicada exatamente por essa memória que resgata o “poço do ser”, redimensionando seus valores e sua poética ligada ao memorialismo, à água, ao ar. Trata-se, enfim, de memória que se movimenta do passado para o presente, que se movimenta da verdade estrita para uma verdade fabulada na imaginação, que movimenta o homem na inquietude de seu presente.
            Assim, a literatura se cumpre porque não se apega a esquemas preestabelecidos ou pré-conceitos sobre este ou aquele assunto, muito menos a teorias ou a formatos rígidos. Sobre a memória: o que para a filosofia tradicional é “imagem enganadora”, ou mesmo como imagem fixa do passado, conforme o pensamento racionalista clássico, na literatura  a memória se realiza no movimento da vida e, por isso, captura uma verdade imaginária que melhor expressa o sentimento dos homens.
Retornando à base arquitetônica da memória, da história e do tempo, posso afirmar que a verdade estrita dos fatos não interessa à Literatura; quer dizer, a recuperação do passado que se faz no entrecruzamento desses três vetores não fornece uma imagem estática, acabada e inquestionável. Muito ao contrário – o resultado é a eterna mudança, até por que o que impulsiona a memória não são os fatos pretéritos, mas os sentimentos que foram vivenciados, e são justamente eles que valorarão a memória em movimento.
Referências:
BACHELARD, Gaston. A dialética da duração. São Paulo: Ática, 1988.
BACHELARD, Gaston. A intuição do instante. Campinas: Verus Editora, 2007.
BACHELARD, Gaston. A poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
BERGSON, Henri. Memoria y vida. Madrid, Alianza Editorial, 1987.
CARVALHAL, Tânia Franco. Quanto mais vaga, mais viva. In.: MEYER, Augusto. Melhores poemas de Augusto Meyer. São Paulo: Global, 2002.
DURAND, Gilbert. A imaginação simbólica. Lisboa, Ed. 70: 2000.
DURAND, Gilbert. O imaginário. Rio de janeiro: Difel, 2001.
ELIADE, Mircea. Aspectos do mito. Lisboa: Ed. 70, 1986.
ELIADE, Mircea. O mito do eterno retorno. São Paulo: Mercuryo, s/d.
FERREIRA, Agripina Encarnación Alvarez. Dicionário de imagens, símbolos, mitos, termos e conceitos bachelardianos. Londrina: Editora da Universidade Estadual de Londrina, 2008.   
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas. Editora da Unicamp, 1992.
MEYER, Augusto. Poesias (1922-1955). Rio de Janeiro: Livraria São José, 1957.
MEYER, Augusto. Segredos da infância & No tempo da flor. Porto Alegre: IEL:UFRGS, 1996.
MORAES, Carlos Dante de. A poesia de Augusto Meyer. In.: MEYER, Augusto. Poesias (1922-1955). Rio de Janeiro: Livraria São José, 1957.
POUILLON, Jean. O tempo no romance. São Paulo: Cultrix, 1974.
RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Editora da Unicamp, 2007.
SOUZA, Raquel. Boitempo – a poesia autobiográfica de Drummond. Rio Grande: Editora da FURG, 2002.
TODOROV, Tzvetan. Los abusos de la memória. Barcelona: Editorial Paidós, 2000.

Poemas utilizados:    


Tapera
É uma tapera. Ao sol poente,
perdida nesse ermo raso,
parece fitar o ocaso
pelas janelas da frente.

A macega, à lei do acaso,
vai crescendo livremente
no terreiro, e em tudo a gente
vê e adivinha o descaso.

Mas na quincha do telhado
um joão-de-barro afogueado
fez a casa, previdente;

e, cantor da vida, agora
sobre as ruínas, sonora,
solta a risada estridente.

            A paleta do poeta
Tortura do desenho! Horas a fio,
seguindo o risco ideal de um vivo traço
que está dentro de mim, faço e desfaço,
e sinto-o cada vez mais fugidio...

A cor e a luz! Encher de vida o espaço
nu da tela, retângulo vazio,
sol interior que o visionário viu
e o pincel torna cada vez mais baço...

Fecho os olhos; no escuro tumultua
todo um formigamento furta-cor:
arco-íris, aureolado astro violeta...

E tudo o que não pus na tela nua
vejo-o de novo em luz, em linha, em cor,
nas manchas coloridas da paleta!










[1] Sabes que o termo “ficção” para mim está diretamente relacionado à fabulação. A questão é estrondosamente espinhosa e não pretendo entrar nela, a não ser para esclarecer que tomo como obra ficcional tanto a autobiografia quanto a poesia de Augusto Meyer. Este assunto, por si só, já é argumento para uma longa tese. Eu tentei esclarecer alguns aspectos dessa relação – autobiografia / ficção /realidade propriamente dita – no meu livro sobre a poesia autobiográfica de Drummond de Andrade.  Como meu objetivo é pensar a memória, e não aspectos teóricos sobre o gênero autobiográfico, eu me absterei de tocar nessas questões.
[2] Sobre este assunto ver BACHELARD, Gaston. Devaneios sobre o devaneio. In.: A poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
[3] RICOEUR, Paul. A memória, a História, o Esquecimento. Campinas: Editora da UNICAMP, 2007.
[4] Os mecanismos de memorização também têm sido discutidos pelos filósofos e pelos cientistas da biotecnologia e das neurociências, como os psicólogos, psiquiatras e bioquímicos, além dos médicos e psicoterapeutas. O próprio Ricouer dedica um capítulo ao tema, em seu último livro A memória, a História, o esquecimento, conforme a bibliografia final.  Le Goff, em História e Memória igualmente observa os sistemas de memorização. Apensar de eu estar mencionando meus processos de memorização e de pertencer ao tema da Memória, não entrarei neste aspectos do assunto.
[5] Conforme O imaginário. Rio de Janeiro: DIFEL, 2001.
[6] Especificamente sobre o tempo, há dois interessantes livros de Bachelard; o primeiro é A intuição do instante e o segundo chama-se Dialética da duração, nos quais o filósofo busca argumentos para contradizer as teorias da duração de Henri Bergson.
[7] Conforme BACHELARD, Gaston. A intuição do instante. Campinas: Verus Editora, 2007.
[8] BACHELARD, Gaston. Introdução. In.: A poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
[9] É preciso opor ao sonho desperto o sonho noturno: O sonhador do sonho noturno é uma sombra que perdeu seu eu, o sonhador de devaneio, se for um pouco filósofo pode, no centro de seu eu sonhador, formular um cogito. Dito de outro modo, o devaneio é uma atividade onírica na qual subsiste uma clareza de consciência. O sonhador de devaneio está presente em seu devaneio. BACHELARD, Gaston. A poética do devaneio.
[10] FERREIRA, Agrippina. Dicionário de imagens, símbolos, mitos, termos e conceitos bachelardianos. Londrina: EDUEL, 2008.
[11] Conforme DURAND, Gilbert. O imaginário. Rio de Janeiro, DIFEL: 2001.
[12] Conforme propus em Um triângulo esclarecedor. In Boitempo:  a poesia autobiográfica de Drummond.
[13] Trata-se de uma única edição organizada pelo próprio poeta. Desta edição constam os volumes: Alguns poemas (1922-1923), Coração verde (1924-1925), Giraluz (1926-1927), Duas orações (1928), Poemas de Bilu (1928-1929, Literatura e Poesia (1919-1930), Folhas arrancadas (1940-1944) E Últimos poemas (1950-1955).
[14] Certamente não se tratam de mera coincidência os títulos respectivos a que faço menção aqui; a indeterminação do primeiro – “alguns” – sucede a certeza do trabalho feito – “últimos”. No entanto, por motivos de cerceamento temático, deixarei este aspecto por ora.
[15] Os poemas aqui utilizados estão transcritos na íntegra ao final deste ensaio.
[16] Estes dois textos foram publicados separadamente, conforme indicam as datas mencionadas, mas ambos se constituem como a autobiografia do poeta, na qual ele privilegia a “formação do poeta”. Todas as citações retiradas de sua autobiografia foram feitas a partir da edição feita pela UFRGS em conjunto com o Instituto Estadual do Livro, conforme a bibliografia anexada ao final deste ensaio. Assim, só mencionarei as páginas nas quais se encontram os fragmentos dos textos citados. Sobre o tema da sua autobiografia como “formação de poeta”, ver XAVIER, Andriara.Costa. Minha infância tem a voz do vento virgem... – a escrita autobiográfica em Augusto Meyer. Rio Grande: FURG, 2006, dissertação de mestrado, que integra resultados de pesquisas sobre o assunto que venho desenvolvendo com meus orientandos.
[17] O mesmo fez Carlos Drummond de Andrade com a série Boitempo, iniciada em 1968. Para maiores esclarecimentos sobre este procedimento no poeta mineiro, ver SOUZA, Raquel. Boitempo: a poesia autobiográfica de Drummond. Rio Grande: Ed. Da FURG, 2002.

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